Artigo por Simone Feuser e Jéssica Michele Fischer
Conforme a vacinação contra o Covid-19 avança no Brasil e a vida começa a adquirir contornos de normalidade, a retomada das atividades presenciais impõe grandes desafios às empresas.
O home office, por exemplo, foi amplamente adotado no início da pandemia e ao que tudo indica veio para ficar, tornando-se uma preferência e até mesmo uma condição de permanência no emprego para muitos profissionais. Com isso, a flexibilização dos horários e do local de prestação dos serviços vêm se consolidando como importantes estratégias de retenção de talentos e exigindo das organizações a acomodação destas novas dinâmicas de trabalho com vistas ao desenvolvimento do negócio.
Do ponto de vista trabalhista inúmeras dúvidas orbitam o home office. Tentaremos esclarecer algumas delas ao longo deste texto.
Home office, teletrabalho e trabalho híbrido são a mesma coisa?
Home office é uma expressão bastante utilizada no Brasil1 para indicar o trabalho que é desempenhado à distância, normalmente na própria residência do empregado. Esta não é uma regra, no entanto, porque na prática é possível trabalhar remotamente de qualquer lugar. Assim, tanto o teletrabalho como o trabalho híbrido – estes sim regimes distintos – podem ser realizados em home office, ou seja, em casa, ou em qualquer outro local2 ajustado com a empresa.
Antes de iniciarmos uma exposição sobre os contrastes existentes entre o teletrabalho e o trabalho híbrido, é indispensável falar sobre suas características em comum. Nesse sentido, é preciso ressaltar que o trabalho remoto naturalmente repercute sobre a dinâmica de interação entre os colaboradores, que permanecem distantes uns dos outros, contudo, esta separação é possibilitada pelo uso de tecnologias da informação e comunicação (as TICs), que viabilizam o diálogo à distância.
Naturalmente, as duas modalidades guardam diferenças substanciais entre si que devem ser cuidadosamente consideradas pela empresa ao avaliar a possibilidade de adoção de um ou outro sistema.
Teletrabalho
Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[2], “teletrabalho” é uma modalidade de prestação de serviços que, ainda que possa ser realizada nas dependências da empresa, ocorre predominantemente fora dela, com a utilização de recursos tecnológicos e de comunicação (art. 75-B, CLT).
O teletrabalho não deve ser confundido com o trabalho externo. Em linhas gerais, o trabalhador externo é aquele que não executa suas atividades na empresa, tampouco precisa de um espaço especialmente designado para tanto em decorrência da natureza das suas atividades, que são externas. O uso de recursos tecnológicos também não é obrigatório. O teletrabalhador, por sua vez, desempenha suas funções nos mesmos moldes que faria dentro da empresa, porém o faz à distância.
O comparecimento do teletrabalhador à empresa para atividades específicas é permitido pela lei, mas sua presença frequente pode descaracterizar o teletrabalho (art. 75-B, parágrafo único, CLT). Esta questão é bastante sensível porque os teletrabalhadores estão, em tese, dispensados do controle de jornada (art. 62, III, CLT).
A Justiça do Trabalho, no entanto, tem se posicionado no sentido de que, sendo possível monitorar os horários de trabalho do empregado por qualquer meio a empresa não poderá deixar de fazê-lo. Logo, se um teletrabalhador comparece regularmente à empresa 3 vezes por semana, mesmo que nos demais dias trabalhe em home office, será difícil sustentar a inexequibilidade de um controle de jornada, pois o que ocorre na prática sugere que isso seria viável. É possível, claro, intercalar o trabalho presencial com o trabalho remoto, mas nesse caso, pode-se estar diante de uma situação de trabalho híbrido e não de teletrabalho. Daí a importância do confronto entre os aspectos práticos e os riscos relacionados à implementação do teletrabalho.
As condições para execução do teletrabalho, incluindo as atividades que serão desempenhadas e a quem será direcionada a responsabilidade pela aquisição, manutenção e fornecimento dos equipamentos e infraestrutura para a prestação de serviços devem todas constar no contrato de trabalho ou em aditivo contratual no caso de funcionários ativos (art. 75-C e art. 75-D, CLT). Estas utilidades oferecidas pela empresa, assim como o ressarcimento das despesas operacionais suportadas pelo empregado, não terão natureza salarial (art. 75-D, parágrafo único, CLT).
Nota-se, com isso, que as partes têm ampla autonomia para negociar, sendo garantida uma contrapartida financeira à empresa que se incumbir parcial ou totalmente dos custos envolvidos na prestação de serviços, podendo estes também ser repassados exclusivamente ao empregado. Esta última alternativa deve ser avaliada com cuidado, no entanto, pois os Tribunais entendem que despesas enquadradas como “custos do negócio” não podem, simplesmente, ser transferidas aos trabalhadores!
Empresa e empregado podem convencionar a alteração do regime presencial de trabalho para o teletrabalho (art. 75-C, § 1º, CLT). Caso a iniciativa parta da companhia, a mudança deve ser precedida de um prazo de transição entre os regimes de no mínimo 15 (quinze) dias para que o trabalhadior possa se organizar (art. 75-C, § 2º, CLT). Em ambos os casos, as modificações devem ser registradas em aditivo contratual.
Finalmente, a empresa será responsável por orientar ostensivamente os teletrabalhadores acerca das normas de saúde e segurança do trabalho, colhendo sua assinatura em um Termo de Responsabilidade no qual o colaborador se obrigará a seguir suas instruções (art. 75-E, parágrafo único, CLT). Apesar de não haver diretriz específica a este respeito, o número de treinamentos ministrados, conteúdo, frequência e até eventual fiscalização periódica do local de prestação de serviços pela empresa podem ser diferenciais em discussões judiciais sobre doenças e acidentes de trabalho.
Regime híbrido de trabalho
O regime híbrido de trabalho, como o próprio nome sugere, contém elementos do trabalho presencial e à distância. As regras para seu funcionamento podem, portanto, ser estabelecidas conforme for mais conveniente para a empresa e para os empregados.
Ainda que as partes tenham muita liberdade para deliberar sobre o regime híbrido de trabalho, é fundamental que a empresa observe as disposições legais “gerais” quanto ao controle de jornada, saúde e segurança e divisão de custos operacionais, pontos em torno dos quais orbitam os maiores riscos da dinâmica semi-presencial.
É também recomendável que a empresa apoie suas ações em uma política interna especialmente desenhada para tratar sobre o assunto. Para reforçar a validade jurídica do sistema é desejável também envolver o sindicato representativo dos empregados nas deliberações e regulamentação do sistema híbrido por meio de negociação coletiva.
Concretamente, o trabalho híbrido e o teletrabalho são muito semelhantes. Por isso, como a modalidade híbrida não possui regulamentação legal específica, caso o empregado trabalhe preponderantemente à distância, é defensável que algumas regras aplicáveis ao teletrabalho sirvam como norte à prática do trabalho híbrido.
Algumas disposições são exceção a este raciocínio, no entanto. Os horários de trabalho no regime híbrido, por exemplo, deverão ser registrados e controlados pela empresa, já que a lei é expressa ao dispensar apenas os teletrabalhadores desta obrigação.
É também muito importante que as condições de funcionamento do trabalho híbrido sejam bem definidas e esclarecidas aos empregados, especialmente em razão de suas repercussões sobre contratos de trabalho ativos, por exemplo, em relação à continuidade da concessão de auxílio-alimentação e transporte, o endereçamento da responsabilidade pelo fornecimento de uma infraestrutura para o trabalho, etc. Isso porque, ao promover alterações nas condições contratuais inicialmente convencionadas com o empregado, a empresa não poderá prejudicá-lo.
Deve-se ter um cuidado especial com a informalidade que orbita as relações de trabalho em tempos de trocas de mensagens instantâneas via aplicativos como Telegram e o Whatsapp, porque os períodos de descanso dos trabalhadores, mesmo à distância, devem ser respeitados.
Finalmente, diferentemente do que ocorre no teletrabalho, o colaborador regime híbrido deve registrar sua jornada.
Os dois modelos são, portanto, semelhantes, mas não são a mesma coisa e as repercussões jurídicas, assim como a viabilidade da adoção de um ou outro regime de trabalho à distância devem ser cuidadosamente estudadas pela empresa.
[1] BONFIM, Vólia; PINHEIRO, Iuri; SILVA, Fabrício L.. Manual do Compliance Trabalhista: teoria e prática. 2. Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021 – p. 502-504.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. This category only includes cookies that ensures basic functionalities and security features of the website. These cookies do not store any personal information.
Any cookies that may not be particularly necessary for the website to function and is used specifically to collect user personal data via analytics, ads, other embedded contents are termed as non-necessary cookies. It is mandatory to procure user consent prior to running these cookies on your website.